A economia islandesa está num ponto de viragem, aliás, como muitas das coisas na Islândia.
A indústria da pesca que à alguns anos atrás representava cerca de 90% da economia, não ultrapassa hoje os 60%. Com a redução dos cardumes no mar, o desafio governamental passou a ser procurar novas e potenciais formas de desenvolvimento. Mas se lentamente o turismo tem crescido, conquistando uma parcela de importância nesta nova economia, o segundo maior recurso natural do país é a energia eléctrica, derivada de uma vasta rede de rios e campos geotérmicos subterrâneos. A polémica instalada na sociedade islandesa tem a ver com a forma como o governo explora este recurso natural, tentando impulsionar a economia do país. É aqui que entra o alumínio e as suas fábricas.
Foi assinado o acordo entre o governo e a Alcoa para se iniciar a produção da nova fábrica de alumínio. A Alcoa é a maior produtora de alumínio, tendo diversas fábricas espalhadas no mundo, nomeadamente no Amazonas/Brasil.
O projecto está envolto em polémica e pela primeira vez surgem manifestações de rua em protesto contra uma decisão governamental. Aquilo que no resto da Europa é normal, manifestações ambientalistas lutando contra decisões governamentais, é algo de novo na Islândia. O movimento denomina-se “Saving Iceland” e uma amiga confidenciou-me que existem dificuldades de mobilização, pois é a primeira vez que se organizam para uma luta deste tipo. De referir que o “Saving Iceland” é um movimento/organização internacional e não propriamente islandês. Talvez isto possa ser mais do que uma questão de pormenor.
Depois da construção do polémico projecto hidroeléctrico do Karahnjuar, um empreendimento construído para aproveitar a energia dos rios apenas para alimentar a fábrica da ALCOA em Reydarfjördur (a barragem tem 730 m x 200 m de altura, sendo a mais alta da Europa, um lago de 57 km quadrados, e o transporte de energia é feito por mais de 50 km, entre tubagens e cabos), existem planos para mais 3 projectos de usinas hidroeléctricas e geotérmicas ao lado de fundições de alumínio. Para os ambientalistas está-se a destruir a espectacular e frágil beleza natural do país.
Até agora a Islândia era um dos locais mais intocados do mundo desenvolvido. Dos seus 300 mil habitantes, cerca de 2/3 vivem perto de Reykjavík, a capital. Os demais espalham-se por 103.000 km² de rocha vulcânica, tundra praticamente sem árvores e planícies de vegetação rarefeita, sendo cerca de 70% do território inabitável.
Os islandeses tendem a tratar o seu ambiente com respeito. O ar é tão puro que o Protocolo de Kyoto deu ao país o direito de aumentar as suas emissões de gases do efeito de estufa em 10% relativamente aos níveis de 1990.
Segundo Hjorleifur Guttormsson, antigo Ministro da Energia e Indústria, um ambientalista, as novas fábricas de alumínio exigiriam oito vezes mais electricidade que a usada actualmente para o consumo doméstico na Islândia, o que representaria uma enorme pressão sobre os rios e campos térmicos do país. Afirma também que a poluição é outro motivo de preocupação: As fundições de alumínio são grandes emissoras de dióxido de enxofre, fluoreto de hidrogénio e outros químicos.
Mas a Alcoa diz que equipou a nova fábrica com controles de poluição de última geração e já cumpriu a sua promessa de reduzir as emissões totais de gases do efeito de estufa em 25% relativamente ao nível de 1990. Um amigo que trabalhou na fábrica confirmou-me por exemplo, a existência de tanques que fazem o tratamento da água utilizada, antes de ela ser despejada no oceano.
O actual Ministro da Indústria e Comércio da Islândia, Jon Sigurdsson, afirmou que as propostas estão sujeitas a vários obstáculos, incluindo, em alguns casos, referendos locais. Segundo ele, o governo sempre aplicou padrões ambientais rigorosos a projectos de exploração e prepara uma lei que designará quais as áreas do país deverão ser protegidas e quais têm potencial de desenvolvimento.
A Islândia apesar de ser um país próspero, concentra essa prosperidade em Reykjavík. Algo que o governo tenta mudar explorando o “petróleo” islandês que é a energia dos rios e campos geotérmicos. No fundo, a força da natureza que fervilha no seu subsolo, bem como a água das chuvas e o degelo dos glaciares.
No entanto, como não é plausível exportar a energia a ideia é importar a demanda. De certo modo, o alumínio parece uma solução perfeita. É uma indústria de energia intensiva que precisa de acesso fácil a portos, para a importação de matéria-prima e a exportação do produto acabado. A Islândia possui energia limpa, disponível, litoral extenso e a proximidade do lucrativo mercado europeu.
A primeira fábrica de alumínio do país foi construída na década de 60 em Hafnarfjördur e produz aproximadamente 200.000 tonl/ano. A segunda foi construída recentemente, situa-se em Hvalfjördur, perto de Akranes, explorada pela companhia Nordural. Ambas as fábricas situam-se próximo de Reykjavík. A fábrica da Alcoa em Reydarfjördur, no Este do país, produzirá cerca de 320.000 tonl/ano. As outras fábricas estão projectadas para Husavík, Isafjördur e Keflavík.
De referir que o projecto de Karahnjukar planejado há anos, teve o apoio do governo de centro-direita, no poder há 12 anos. Pesquisas mostram que a maioria dos islandeses também o aprova, afirmando que ele levará emprego e dinheiro para os fiordes de leste.
Por aquilo que conheço da realidade islandesa não é crível que as manifestações contra o alumínio e as suas fábricas englobem muitas pessoas:
Primeiro porque me apercebo que muitas pessoas, mesmo não achando ser a solução ideal, pensam que a Islândia necessita e tem condições para essa indústria, potencial forma de desenvolvimento das zonas afastadas de Reykjavík e forma de evitar o êxodo populacional para a capital.
Segundo porque o turismo será sempre uma indústria de crescimento lento para quem necessita de resoluções rápidas. Não seria também aconselhável apostar numa só actividade, todo o investimento para o desenvolvimento do país.
Terceiro porque talvez não existam propostas concretas alternativas que julguem credíveis, reconhecendo que se deve aproveitar a força desta energia pungente que a natureza lhes oferece e que poderá dinamizar a economia futura.
Em ultima instância, daqui a 2 anos haverão eleições e o governo poderá ser julgado nessa altura. Contudo, a Islândia é um país conservador, como comprova os 12 anos de governação do partido de centro-direita. Sinceramente, não creio que a questão do alumínio tenha mais peso no desfecho do acto eleitoral do que o actual aumento do preço dos bens de consumo, devido à desvalorização da coroa islandesa.
É fácil simpatizar-se com a bandeira ambientalista do “Saving Iceland”, até porque as questões ambientais são de crucial importância para vivermos num mundo melhor. Mas os movimentos internacionais esquecem-se que depois de irem embora, as populações ficam com necessidades urgentes para resolver. Os habitantes das zonas rurais apenas querem ter um futuro digno, com trabalho, instrução, desenvolvimento e a qualidade de vida que merecem. O actual êxodo populacional para Reykjavík não corresponde a essas legitimas aspirações.
Será possível criar um compromisso entre a indústria do alumínio e a natureza ou será isso contraproducente?
vídeo do "Saving Iceland" promovendo a luta contra as hidroelétricas e as fábricas de alumínio.